O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes
EDUARDO FANTATO RODRÍGUEZ
PAULO CESAR MONTAGNER
No campo de intervenção da Educação Física é possível identificar diversos enfoques, conceitos,procedimentos e parâmetros que interferem na atuação prática do professor. Dentre essas possibilidades é necessário observar o papel da mídia no processo de ensino do esporte.
Em que medida o esporte presente na mídia está no cotidiano dos alunos? Quanto interfere e está incluído direta ou indiretamente nas aulas de Educação Física? Assim, quais pressupostos devem balizar a intervenção, tendo a mídia como recurso (meios técnicos para transmissão dos conteúdos) e conteúdo (informações, interpretações e significados) nas aulas? Como trabalhar aquilo que os professores extraem dos conteúdos da mídia e classificam e estabelecem como importantes com aquilo que é mais atraente e significativo para os alunos?
É preciso considerar o que essas informações esportivas representam para os alunos. Como refletem e interferem na concepção de esporte. São informações presentes no dia-a-dia, reunindo conceitos, práticas e características específicas, que, combinadas com os interesses, anseios e necessidades deles
próprios, desenvolvem significados para a prática esportiva.
A intervenção
Preocupou-se em identificar através das atividades, o que as crianças caracterizam como esporte, as fontes de contato, o que dizem em relação às diferentes funções e manifestações do esporte, quais os ambientes que estabelecem o contato, quais os acessos que possuem, opiniões, sentimentos e interesses que atribuem, com quem compartilham e vivenciam essas experiências, qual a inserção em suas relações cotidianas.
Pensar as relações dinâmicas entre o que as crianças pensam sobre esporte, a partir do produto de suas experiências, e o que é representado na mídia, permite abrir um leque de possibilidades e variáveis de significado e apropriação dos conteúdos, que devem ser analisados a partir dos contextos em que estão inseridos.
Essa contextualização é o que Vasconcellos (2003) chama de “reintegrar o objeto no contexto, ou seja, vê-lo existindo no sistema” (p.112), focando nas interligações entre os fenômenos, no caso, estabelecendo conexões entre o ambiente social das crianças, e seus vários aspectos, com a produção da mensagem midiática, construindo desta forma uma relação particular com o fenômeno esportivo, entendendo esse processo como uma configuração importante que a pedagogia esportiva deve ter conhecimento.
Fazem parte de uma complexidade as relações que se estabelecem entre a produção da mensagem do jornal impresso, do programa televisivo, da transmissão ao vivo, dos comentários e discussões, da internet, enfim das diversas interfaces da mídia com os contextos e experiências de cada sujeito, com as características de cada esporte, seus significados para um e para o outro, interferindo e mudando constantemente a incorporação no cotidiano dos indivíduos, tendo um significado particular e específico, caracterizando-se desta forma uma relação sistêmica. É com esses “óculos” que olhamos para o tema.
Mimesis e o conteúdo esportivo na mídia
Propõem-se partir da compreensão teórica do termo mimesis, explorar as possibilidades da mídia, a partir dos anseios dos alunos quando estabelecem conexões com os conteúdos esportivos e a partir daí compreender as possibilidades educacionais despertadas.
As emoções são elementos presentes fortemente no esporte, promovem uma interação, tanto como praticante, quanto como espectador, uma relação a partir dos sentimentos e emoções no imaginário dos indivíduos, que parte das situações cotidianas para um quadro mimético.
Se perguntarmos de que modo é que se animam os sentimentos. Como é que a excitação é favorecida pelas actividades de lazer, descobre-se que isso é dinamizado, habitualmente, por meio da criação de tensões.
Perigo imaginário, medo ou prazer mimético, tristeza e alegria são produzidos e possivelmente resolvidos no quadro dos divertimentos (ELIAS, 1992, p.71)
O conceito de mimesis baseia-se numa representação de elementos do cotidiano fora do seu contexto. Uma vivência de sentimentos e emoções transferidos de uma situação concreta para uma representação em outro quadro, mas que também é concreto.
O esporte nesse contexto de atividade mimética deve ser compreendido pelo que proporciona para o praticante ou espectador: uma representação não dos fatos da vida cotidiana, propriamente ditos, mas uma representação simbólica das emoções que eles propiciam, sendo desconstruídos e reconstruídos numa perspectiva de prazer, desencadeando sentimentos espontâneos e instantâneos, produzindo outras tensões.
É importante notar qual a intenção do receptor quando entra em contato com os conteúdos esportivos nas mídias. As pessoas, em grande parte, estão em busca de entretenimento via um processo de interação e de atributos miméticos ou ainda em busca de informações, uma atividade que estabelecem com as mídias que está presente na rotina, com tempos geralmente pré-determinados e regulares, integrando o fluxo cotidiano.
Considerar o aspecto mimético é considerar aquilo que os alunos atribuem de significados e aquilo que incorporam no seu dia-a-dia, permitindo ao professor um acesso maior aos conteúdos que lhes são representativos.
A interpretação e construção da informação com base nas experiencias dos alunos
A inserção dos conteúdos midiáticos e sua conformação como uma prática que se estabelece no cotidiano das pessoas, decorre de uma forma de interação de lazer que essas inserem na sua rotina.
Assistir a um evento esportivo, ler determinadas notícias, ouvir rádio, acessar internet por diversão, fazem parte da vida diária. Assim como a própria busca de informações, o acompanhamento de elementos miméticos que despertam emoções, uma busca por excitação. Os motivos que fazem as pessoas interagirem com a mídia, as interações que se estabelecem e se sucedem são pontos que devem ser considerados, pois interferem na forma de incorporação sobre o conteúdo.
Betti (1998) ressalta a relação dos conteúdos da mídia com o cotidiano, e lembra a necessidade do receptor já estar familiarizado, daí a importância dos contextos e interações, com alguns aspectos para poder realizar a interpretação da mensagem.
As pessoas possuem acessos diferentes, recursos diversos, condições materiais, culturais distintas, enfim, contextos e expectativas que caracterizam os seus processos de interações sociais, de apropriação de conteúdos, e de desenvolvimento de sua identidade.
Lógica da mídia: a compreensão da estrutura da mensagem
Dentre os recursos utilizados pela mídia para caracterizar seu conteúdo tem-se o exemplo que Santaella (1996) oferece sobre a ocupação de espaço nos jornais, uma linguagem diagramática, que consiste na distribuição da informação na página, que é tão importante quanto a linguagem para a geração de sentido ao conteúdo.
As possibilidades tecnológicas e o desenvolvimento dos recursos técnicos auxiliam os veículos de comunicação no processo de cativar a audiência, ampliam o potencial de espetacularização que o esporte já apresenta em sua vocação. Os meios de comunicação exploram os sentimentos e as emoções que
provocam no seu público, e por isso o entretenimento é um recurso significativo, aproveitando a predisposição do receptor para divertir-se.
Desta forma, na meta de tornar o que for possível em atraente e sedutor para o público, criando uma espetacularização passível de entrar no cotidiano das pessoas enquanto entretenimento, os conteúdos mesmo informativos recebem um tratamento artístico e artifícios que cativam o público receptor desta mensagem.
A sequência de informações, na TV, em segundos, no jornal, na mesma página, na internet, em links próximos, é apresentada sem distinção. Uma informação de vitória antecede uma notícia de morte, e depois é retomada. Lembramos que o jornal, a rádio e a internet também se utilizam de recursos de seleção
de informações, gêneros de discursos, de diagramação para enfeitar as informações e cativar os receptores, aproximando-os para efeito de um entretenimento, é uma formatação de conteúdos e informações em espetáculo.
Para uma intervenção pedagógica, utilizando a mídia como recurso e conteúdo, necessita-se do entendimento dessa lógica, para que seja possível auxiliar e transformar a maneira como o receptor lida com a mensagem, a forma pela qual ela será apropriada, lembrando que o contexto de produção difere do contexto de recepção, ou melhor, a lógica que o sujeito tem que o motiva a interagir com a mídia não é a lógica da produção, embora essa última necessite desenvolver formas e métodos para cativar os receptores.
Diferentes significados através do ambiente
Os meios de comunicação, tanto quanto a família, a escola, a igreja, a política, são elementos de difusão da mensagem e de valores. A capacidade de lidar com elas e transacioná-las no cotidiano faz parte das capacidades das pessoas para que sejam receptores críticos.
Esse transacionar-se ocorre a todo instante, o contato com o esporte é balizado por diferentes interações. Esses significados e valores possuem três aspectos que devem ser considerados, os interesses da produção das mensagens, os significados que adquirem nos ambientes em que se apresentam e as características individuais dos sujeitos. Essas características, decorrentes das interações, interferem na forma de incorporação dos conteúdos.
O ambiente, entendendo-o não apenas como espaço físico, mas como significados e interações que possibilitam, exercem influência na formação de conceitos e significados das pessoas. Thompson (1998) refere-se, por exemplo, ao termo self, como um projeto simbólico (num plano de significados e de representações individuais), construído ativamente pelo indivíduo com material e recurso disponível,permitindo-o construir a narrativa da própria identidade. Essa narrativa é dinâmica e modifica-se a cada momento, com novas experiências e significados, em cada ambiente.
Desta forma consideramos pontos essenciais para compreender um estudo sobre o tema, centrar as diretrizes no polo da recepção e considerar suas interações. Falando sobre a questão de considerar a interação no processo de recepção Ferrés (1996) diz sobre a TV:
Uma a abordagem crítica da televisão deveria ser feita sempre a partir da interação. A experiência televisiva é o resultado do encontro de um espectador - com sua ideologia, a sua sensibilidade, os seus sentimentos, as suas emoções e valores - e um emissor - com a sua ideologia, os seus interesses explícitos e implícitos, os O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes seus valores e o seu sentido de estética. E tanto o espectador como o emissor estão condicionados por um
contexto sócio-cultural. Não se deveria prescindir de nenhuma dessas dimensões. (p.81)
Considerar a interação como o polo de recepção em termos práticos para um processo de intervenção pedagógica é valorizar as experiências e significados que os alunos trazem consigo, é estimular as trocas com o intuito de ampliar suas vivências e a todo instante permitir que possam reconstruir seus conceitos acerca do esporte e da Educação Física, através de uma abordagem crítica e prática em relação aos conteúdos observados nos meios de comunicação.
Pensando em atividades
Considerando esses conceitos, deve-se pensar em atividades que estimulem os alunos a manifestarem suas opiniões, que os envolvam, que partam de situações presentes no seu dia-a-dia, e que, trazidas para um ambiente no qual são desenvolvidas atividades de maneira organizada, possam ser discutidas e complementadas pela atuação do professor. Desta forma é necessário elaborar os objetivos e parâmetros para as atividades que se pretendem desenvolver, com o cuidado de não torná-las sem significado, dentro do conteúdo curricular. Devem ser desenvolvidas com o propósito de estimular os alunos a refletirem sobre os conteúdos cotidianos e de identificarem como eles próprios lidam com isso na prática. Fazer o aluno perceber-se a si mesmo, ou seja, as suas formas de compreensão, as suas interpretações, é um ponto crucial para estabelecer uma intervenção com profundidade.
Cada professor possui a sua forma de atuar, os seus princípios e conceitos, assim, com base nos princípios de mimesis e de recepção dos conteúdos de uma forma dinâmica e interativa por parte das pessoas, discutidos anteriormente, a criatividade e os recursos acessíveis para cada um permitem uma gama de possibilidades para a utilização dos conteúdos esportivos na mídia como recurso e conteúdo integrante das aulas de Educação Física, uma riqueza de atividades que extrapola os exemplos aqui ilustrados.
Possibilidades de intervenção
Com princípios de diferentes aplicações metodológicas e adaptações, sem perder o rigor científico,mas não presos a uma rigidez que dificulta a intervenção no campo prático, é possível utilizar técnicas diversas, combinadas ou não entre si. Recursos utilizados como instrumentos de pesquisa que podem ser transportados para a atuação do professor, como um recurso de intervenção.
Uma das possibilidades é utilizar o método compreensivo proposto por Ferrés (1996). O autor desenvolve e propõe esse método, preocupado com abordagens que se tornam extremamente racionais e analíticas, e descartam assim, a magia, as emoções e sensações suscitadas, a capacidade de impacto dos meios. Desta forma desenvolve esse método que auxilia a extrair as informações das crianças e possibilita o que ele chama de “aprender sem negar o prazer. Ou melhor, de aprender pelo prazer e graças ao prazer.” (FERRÉS, 1996:81)
O método compreensivo deve ser desenvolvido com a intenção de auxiliar diretamente no campo prático, pensando na intervenção propriamente dita, e desta forma aproximando os conteúdos teóricos com a sala de aula, sem perder seu rigor. Em primeiro momento é proposta a formulação espontânea de
reações de gosto ou desgosto, de impacto, sem condicionamento e sequência indicativa de uma análise.
Posteriormente inicia-se a tomada de distância das próprias reações, buscando desta forma relações mais racionais, que se encerram com reflexões sobre as duas primeiras, ou seja, sobre o que já foi visto e sentido com o discutido e compreendido. Em linhas gerais Ferrés caracteriza esse processo dizendo que com ele “Não se renuncia ao espetáculo, pelo contrário, ele é utilizado para fins educativos, como ponto de partida para um trabalho crítico.” (FERRÉS, 1996:99)
A utilização desse método, com recursos de observações e anotações de entrevista, dinâmicas e outros instrumentos que explorem os conhecimentos dos alunos através de suas próprias interpretações enriquecem as atividades e permitem uma intervenção com profundidade.
Tais situações motivam os alunos com situações cotidianas, com conteúdos concretos de sua rotina.
Assim é possível extrair um rico debate de ideias acerca do esporte, que são incorporadas ao conteúdo da Educação Física, pois ao manifestar suas opiniões, estabelecendo relações entre o que vê e suas experiências diárias o aluno está desenvolvendo uma análise critica, ainda que em um primeiro momento seja superficial. São apresentadas a seguir algumas reflexões baseadas nas atividades desenvolvidas com o intuito de mostrar as possibilidades de conteúdos que derivaram dessas práticas, considerando as interpretações dos alunos.
A seguir, três situações (intervenções) desenvolvidas, baseadas nos preceitos apresentados até aqui. Destacamos o objetivo das atividades bem como o que chamamos de parâmetros de intervenção, que podem (e devem) variar de acordo com a criatividade de cada professor, mas que são elementos que contribuíram com as atividades em questão e podem se configurar como ponto de partida para quem visa desenvolver uma prática com e pelos meios de comunicação.
Como parâmetros gerais para as três atividades propostas, estabelecemos três bases de observação que consideramos importantes para extrair aspectos significativos da prática.
• Envolvimento: forma e intensidade manifestadas através de gestos, expressões, discussões, comentários e ainda a prolongação do tema, a formação de argumentos e grupos (não constituídos espacialmente, mas no campo de ideias).
• Espontaneidade: observando-se a espontaneidade dos conteúdos ou a necessidade de estimulação do debate.
• Dimensões de análises: especificações temáticas dos conteúdos para análise, conforme: concepção sobre o esporte, o esporte na mídia; ambientes onde se estabelecem as interações com o fenômeno; inserção do fenômeno na rotina; com quem é vivenciada e compartilhada a interação com os fenômenos, e quais os sentimentos, percepções e significados que atribuem ao fenômeno.
A seguir são apresentadas as atividades desenvolvidas:
O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes
1. Exibição de um programa esportivo de televisão do dia anterior ao dia da atividade.
Programa de rede aberta, seguido de debate com os alunos.
Objetivo: observar as reações dos alunos perante o vídeo exibido; estimular o debate acerca do esporte através dos conteúdos do programa; desenvolver um debate e discussão sobre as diferenças de enfoque, de conteúdo, profundidade dos temas, como está relacionado com a realidade deles.
Parâmetros de intervenção: explicação das atividades, organização e disposição dos alunos para a exibição do vídeo; observar gestos e reações durante a exibição, organização e disposição para a discussão acerca dos conteúdos; estimular recordação espontânea dos conteúdos; verificar empolgação e aspectos que despertaram a atenção; verificar tempo e ênfase destinada a determinados assuntos; estimular a verbalização por parte dos alunos; incentivar opiniões em relação aos conteúdos e comparações com cotidiano e outras possibilidades; encerramento com síntese do que foi discutido,amarrando as idéias e propondo observações de seu cotidiano com o que foi visto e conversão em aula
2. Laboração de um jornal impresso, através da junção de reportagens e comentários, com debate sobre os conteúdos escolhidos e o processo de formação do jornal, seguido de apresentação das ideias e debate.
Objetivo: observar as opções e escolhas dos alunos e argumentos levantados para as características apresentadas; discutir a formatação de jornal, o processo que existe por trás da notícia pronta, as diferenças de abordagens.
Parâmetros de intervenção: explicação da atividade, com pré-solicitação de que os alunos trouxessem reportagens com conteúdo esportivo; formação dos grupos; disponibilização de folhas para confecção dos jornais sem tamanho pré-estabelecido; disponibilizar tempo para escolha do formato (tamanho e disposição das folhas); observar e verificar critérios e falas dos alunos dentro de cada grupo; incentivar a elaboração de comentários sobre as reportagens; conversa com cada grupo sobre justificativas para escolha das reportagens dos comentários e da diagramação escolhida; atentar para experiências pessoais na interpretação dada aos conteúdos; organizar uma exposição do jornal de cada grupo para o restante da turma; ampliar o debate para a turma sobre formatos, conteúdos e interpretações; atentar para exploração diferenciada a partir de reportagens iniciais iguais, seja em termos de formato ou de comentários; encerramento com síntese e comparação com o cotidiano e relações que estabelecem com esporte e veículos de comunicação.
3. Eibição e discussão sobre vídeo contendo reportagens de um programa televisivo de canal fechado com conteúdos não comuns (campeonato mundial de Malabaris, e voleibol de academia) Objetivo: observar as reações, e estimular discussão sobre possibilidades do esporte com o intuito de desenvolver comparações e definições dos alunos.
Parâmetros de intervenção: explicação das atividades; organização e disposição dos alunos para a exibição do vídeo; observar gestos e reações durante a exibição, organização e disposição para a discussão acerca dos conteúdos; estimular recordação espontânea dos conteúdos; verificar empolgação e aspectos que despertaram a atenção; verificar tempo e ênfase destinados a determinados assuntos; estimular a verbalização por parte dos alunos; incentivar opiniões em relação aos conteúdos e comparações com cotidiano e outras possibilidades; atentar para elementos de aproximação entre o conteúdo não habitual com elementos próximos de suas realidades (ex: malabaris em semáforos e/ou no circo); encerramento com síntese do que foi discutido, amarrando as idéias e propondo observações de seu cotidiano com o que foi visto e conversado em aula.
Facilitando o contato e ampliando as experiências
Como pudemos observar nas questões conceituais, os meios de comunicação fazem parte do cotidiano dos alunos, configurando-se muitas vezes como uma forma de contato com o esporte, ainda que em forma de tele-espetáculo. Na pesquisa (RODRIGUES, 2006), na qual este capítulo está baseado, foi possível averiguar junto aos alunos, quais seriam as justificativas para o acompanhamento do esporte através dos meios, em detrimento da prática, seja como espectador, seja como praticante.
Os alunos relatam que o acompanhamento do esporte pela mídia é uma forma de acesso mais fácil para determinadas pessoas que apreciam esporte e por situações distintas interagem desta forma.
Dentre as suas justificativas, para o acompanhamento do esporte através dos meios de comunicação, e neste caso atribuem especial atenção à televisão, estão os seguintes fatores:
• alto custo para participarem de atividades in locus
• dificuldade de deslocamento até os locais de eventos
• preferência pelo conforto e comodidade
• detalhes, recursos extras e informações adicionais que obtêm, viam meio de comunicação
As informações obtidas trouxeram, ainda, indicadores de como o conteúdo esportivo dos quais se cercam são oriundos de diversas fontes, e como eles são completados a cada instante com as interações estabelecidas e, desta forma, adquirem os significados que possuem para eles. Foi observado que além dos ambientes de contatos com o esporte, percebem outras fontes de aprofundamento das relações com este, e as informações decorrentes. Apontam a própria prática como uma forma de aprofundar o conhecimento sobre aspectos distintos, junto ainda de pesquisa pessoal, de conversas com amigos, de observar conhecidos, praticando, através de filmes e novelas, de eventos na cidade. Assim é possível perceber como a informação pode ser transacionada dentre as fontes e ambientes e completando com o que os próprios alunos disseram sobre os aspectos particulares, de acordo com os ambientes e pessoas com quem vivenciam e partilham as informações, de uma forma mais séria e hierárquica com o professor, e de outra mais descompromissada com colegas.
Quando falam sobre as modalidades que conheciam, percebe-se que em muitas delas, não possuíam vivência prática, mas sim através da mídia, e ainda que apontassem pouco espaço aberto a outras modalidades na midi,a além do futebol, indicaram esse meio como um meio que oferece conhecimento, que auxilia no aprendizado e desperta interesses por outras práticas. Em caráter ilustrativo são apresentadas as modalidades e práticas levantadas pelos alunos.
QUADRO 1
Atividades relatadas pelos alunos na pesquisa de RODRIGUES (2006, p.99)
Atividades Conhecidas
Arco e flecha - Arremesso de dardo - Arremesso de peso - Atletismo - Badmington - Basquetebol - Beisebol - Betis - Bicicross - Bilhar - Biribol - Bola de gude - Boxe - Caminhada - Ciclismo - Corrida - Dança - Dirt-Jump - Esgrima - Esportes Radicais - Futebol - Futebol americano - Futebol de areia - Futsal - Ginástica - Handebol - Hipismo - Hóquei - Iatismo - Judô - Nado sincronizado - Natação - Pólo aquático - Skate - Tênis - Voleibol
Tal quadro revela a presença de atividades distantes da prática cotidiana, mas muito presentes nos meios de comunicação, como consequência de uma informação globalizada, como por exemplo, o beisebol, futebol americano, hóquei, iatismo, entre outros. Ao mesmo tempo, apresenta, além de modalidades inseridas no cotidiano, como o futebol e o vôlei, práticas vinculadas culturalmente à tradição regional como bola de gude, e betis.
Essa mescla entre atividades culturais enraizadas nos hábitos locais, com modalidades tradicionais e consolidadas na comunidade e com práticas e modalidades de padrões externos aos de costume denota a riqueza de possibilidades que uma intervenção pode ter, e ainda o potencial que pode ser extraído da mídia, enquanto veículo de estimulação para diferentes práticas, sendo adequadamente trabalhada.
Considerando que essas vivências de experiências mediadas (trazidas pelos meios de comunicação) fazem parte do cotidiano dos alunos, temos experiências que podem se desdobrar em interesse pela prática, busca de um conhecimento mais específico, parâmetros de comparação, conhecimento de aspectos culturais diferentes, o gosto pela contemplação, enquanto entretenimento, enfim, são elementos ricos que podem ser utilizados na intervenção, e não é uma novidade na acepção da palavra, a prática é sim uma novidade, mas algumas características já fazem parte, seja de forma mais enraizada ou superficial no cotidiano dos alunos.
Faz parte do dia-a-dia, das conversas, dos filmes, novelas, dos programas, jornais, revistas de conteúdos distintos, que abordam em diversas ocasiões o esporte, e desta forma “inicia” o contato com algumas práticas.
O esporte nos meios de comunicação foi abordado pelos alunos como uma das formas de divulgar e despertar o interesse para novas modalidades, uma maneira de experiência que incentiva a prática ou a contemplação.
Neste tema, abordando o aspecto do tempo e espaço excessivos do futebol na mídia, indicaram que a ausência ou o pouco enfoque dado às modalidades diferentes, é um fator que contribui para a baixa popularidade dessas modalidades, entendendo que o aumento de espaço destinado a elas pode ampliar sua capacidade de estimulação por novas vivências, ainda que de forma mediada, contribua simplesmente para os primeiros contatos e o despertar da curiosidade.
Prosseguindo nesse debate foi possível verificar uma linha de raciocínio dos alunos perante uma macro-estrutura que envolve o esporte, os veículos de comunicação, os interesses mercadológicos e o aumento de praticantes.
Abordaram as questões de tradição e cultura do futebol no Brasil e os interesses por audiência por parte da mídia e o quanto isso pode ser prejudicial para as demais modalidades, uma vez que quanto menos interesse por parte da mídia, menor o investimento de patrocinadores, e com isso cada vez menos espaço será dado a outras informações esportivas, fazendo com que cada vez menos pessoas tenham contato e se interessem por outras modalidades.
Segundo essa linha argumentativa, elaborada pelos alunos, as experiências vivenciadas pela mídia acabam por anteceder muitas das experiências práticas, algumas das quais nem sempre ocorrem, e enxergam esse processo como positivo, algo que age como um incentivador seja a prática ou a contemplação enquanto torcedor.
Desta forma observamos o potencial de uma intervenção pedagógica focada nos conteúdos da mídia, uma vez que estão ao mesmo tempo propondo questões rotineiras dos alunos (o contato que estabelecem com o esporte na mídia) e,de forma organizada, traçando possibilidades de contato e conteúdos que permitem uma riqueza cultural e possibilidades pedagógicas ante as práticas (conhecimento e prática de outra atividades).
Os contextos e experiências individuais na interpretação do conteúdo
Frisamos que as propostas de intervenção e resultados discutidos são apresentados através de um relato estruturado que está fundamentado na pesquisa realizada com essa temática em Rodrigues (2006).
Na atividade de elaboração do jornal, baseados num quadro que ambos os grupos trouxeram, um dos temas construídos pelos alunos se referia aos investimentos, estruturas e resultados de uma equipe de futebol que representa a cidade em categorias menores. Um grupo, influenciado por alguns alunos que participavam de equipes de outras modalidades da cidade posicionou-se contrário aos investimentos e estrutura fornecida pela prefeitura àquele projeto, comparando as informações com a precariedade da estrutura que vivenciavam em outro contexto. O outro grupo com o mesmo quadro de informações explorou e destacou que aquilo significava um fator importante para a cidade, um modelo de projeto que poderia ser seguido pelas demais, dada a organização e resultados obtidos.
Isso denota as diferenças de incorporação e envolvimento com o texto e resultou em construções diferenciadas em sua essência a partir do mesmo quadro de informações. É possível notar claramente os significados atribuídos na interpretação da mensagem, os valores e significados carregados de suas experiências e interações. O debate que se sucedeu caminhou justamente para a questão das individualidades e do contato de cada um com as situações concretas, que interferiam na forma como interpretaram tal quadro.
Essas várias facetas que a informação adquire pela transição dentro da mídia interagem com os contextos, como vimos no caso dos alunos que compararam a informação de investimento no futebol da cidade e as relações que vivenciam na prática de outras modalidades, e passa por um processo de incorporação, através dos valores e experiências que possuem para dar significado àquela informação Ainda na atividade de confecção dos jornais, foi possível notar elementos de construção dos alunos e a percepção que eles tinham desse processo, de que eles detinham o “poder” de construir ou pelo menos de repassar as informações conforme os parâmetros por eles mesmos estabelecidos, percebido desde o processo de discussão do título do jornal, nas justificativas dos temas e linhas temáticas até ao formato de papel, tamanho, disposição das reportagens e comentários. Como ilustração apresenta-se um quadro das justificativas apontadas pelos alunos para a inserção das reportagens e sequência do jornal.
O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes.
QUADRO 2
Justificativa dada pelos alunos para construção dos jornais na pesquisa de RODRIGUES (2006, p.111)
Justificativas para escolhas das reportagens e formatos
Informações Polêmicas Informações Diretas Representação da Cidade
Variedades de assuntos Conquistas Interesse habitual das pessoas
Chamar atenção de quem lê Expectativas das pessoas Prestigio da informação
Fofocas e Brigas vendem Divulgar potencial Bastidores
Passar as emoções do jogo Resgate de notícias antigas Curiosidades
Opiniões e Comentários diferentes Intimidades de atletas Surgimento de novo astro do esporte
É possível identificar a incidência de elementos pensados no público, nas expectativas e comportamento habitual quanto aos temas de interesse. A utilização de elementos do cotidiano dos receptores, com textos dos sujeitos para aproximar e dar mais veracidade e tornar-se mais atrativo para seu público, como observamos, é um recurso dos meios, e dentre alguns aspectos podemos abordar também nesta relação consolidada com o esporte na questão do espetáculo, a construção e difusão dos mitos.
O envolvimento com o conteúdo
Os alunos se envolvem de forma intensa com os conteúdos, espantam-se ou riem com as imagens, criam expectativas, dialogam com a narração, e se estabelecem como parte da reportagem, como complemento àquilo que lhes é apresentado. Ainda com esse envolvimento são notáveis dois aspectos: (i) a percepção de lidar com uma situação distinta da realidade deles, da contemplação de ídolos e de um esporte do qual têm plena consciência da distância que apresenta de sua realidade, (ii) é a consciência nítida quando apontam como características do esporte da mídia, o profissionalismo, a cobrança, as exigências de treinamento e investimento, a competição, que embora profissão, uns consideram fontes de lazer, através do torcer ou admirar, e distinguem de seu cotidiano quando apontam o caráter de divertimento e aprendizado que possuem.
É possível identificar esse mecanismo de projeção e identificação. Os alunos reportando-se à matéria que abordava sobre jovens tenistas, colocam-se na situação de se submeterem aos treinos pesados em compensação de viajarem pelo mundo e conhecerem lugares e culturas diferentes, ou ainda quando relatam querer reproduzir os gestos de um atleta quando se tornarem um, utilizando-se do modelo, do ídolo, como no caso de citarem o desejo de serem iguais ou fazer igual aos atletas, poder ser considerado o melhor e adquirir fama. O ato de torcer, do envolver-se, não só com o conteúdo, mas com o formato, imagens, narração, opiniões, foi evidenciado pelos alunos como fatores rotineiro de suas interações com o esporte na mídia.
Outro ponto que pode ilustrar essas afirmações são as observações dos alunos quanto à construção dos jornais com assuntos baseados nos mesmos acontecimentos, indicaram os interesses e as formas de interpretação das informações como imprescindível para a construção da matéria. É da mesma forma, a partir do olhar que cada um destina através de suas experiências, reconstrução e reelaboração do “enredo”. Ferrés (1996) fala sobre a incorporação que as crianças fazem e a relação que estabelecem entre ficção e realidade, e contribui também para que o que pretendemos mostrar, a necessidade de considerar esses aspectos. A criança atribui à história uma vida própria e a incorpora de diferentes formas à realidade sendo capazes de, fazendo abstrações, construir um universo peculiar.
Considerações finais: sobre a intervenção na Educação Física e Esporte a partir de conteúdos esportivos da mídia
É muito comum rotular que os alunos não têm um conhecimento profundo dos interesses que estão por trás dos veículos de comunicação, os interesses comerciais e relações de poder, fazendo então que o contato com os conteúdos esportivos na mídia, não seja parte integrante de um programa curricular, e ainda que seja descartado e criticado como reprodução de ideias sem uma finalidade de formação.
Se por um lado os meios de comunicação têm uma raiz extremamente comercial e cheia de interesses, com os quais deve se tomar o devido cuidado ao lidar com seus conteúdos, é ao mesmo tempo uma realidade inserida no cotidiano dos alunos, e compreendida por eles como forma de estabelecer contatos e vivenciar experiências que não estariam a seu alcance.
Os alunos se mostraram empolgados com as atividades, uma ação diferente de sua prática nas aulas de Educação Física, mas que está presente no seu dia-a-dia das mais diferentes maneiras, e quando trazido para dentro do ambiente formal estabelece uma dinâmica e um vínculo importante para um processo de reflexão sobre o esporte.
A utilização desses conceitos e desse olhar sobre o estudo, longe de tornar simplista, mas de forma a esclarecer ao leitor o porquê dessas relações, ocorre para que ao identificar o aluno como sujeito de um processo constante e amplo no convívio com o esporte, ele compreenda as estruturas e relações que estão por trás do simples contato com o esporte. O que é para ele aquele esporte que ele prática, que assiste, que aprende? E desta forma não reduzir e compreender apenas as estruturas, mas também as relações que se estabelecem. Indicando formas de atuação práticas que estimulem a discussão desses temas por parte dos alunos. Não basta entender e contextualizar os bastidores e interesses de um determinado evento, sua estrutura, seu significado decorrente das estruturas sociais que representa. É necessário também compreender o que aquilo representa de fato para o sujeito, de que forma aquilo é incorporado, que experiências individuais representam, e desta forma, como isso contribui para o ensino do esporte.
Deve-se ter atenção ao trabalhar com esses conteúdos, a fim de evitar uma reprodução sem sentido e sem reflexão, porém, como diz Ferrés (1996), a partir das emoções que despertam e do envolvimento que provocam, pode ser um grande instrumento.
O professor ao ler esse texto pode imaginar: “Como posso trazer essas ideias se na minha escola não tem televisão?” É uma realidade em nosso país, a falta de estrutura nos ambientes de formação, às vezes nem uma quadra para a prática esportiva o professor tem à sua disposição.
De fato essa é uma complicação, mas os conteúdos da mídia não estão presentes apenas numa televisão ou em qualquer outro veículo de comunicação, eles estão presentes também, e re-significadas nos próprios alunos, que trazem consigo as suas interpretações desses conteúdos que lidam rotineiramente, há uma impressão de significados:
...o que as pessoas aplicam sobre a informação, a partir de suas experiências e interações para dar sentido e forma para aquilo que lhes é incorporado no cotidiano. As pessoas imprimem em sua própria compreensão, a partir de suas vivências, dos ambientes, das interações e de suas expectativas, o significado para a informação, para o fato, e desta forma as suas manifestações de apreço, de contemplação, de desgosto e de valor é produto dessa complexidade (RODRIGUES, 2006, p. 119)
O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes.
Com base nessa impressão de significados, valoriza-e a ‘bagagem esportiva do aluno” considerando aquilo que Feres Neto (2003) comenta sobre as novas vivências do esporte.
..., não é só o discurso sobre a imprensa esportiva que se caracteriza como uma ‘nova’ modalidade esportiva.
A própria insistência ao esporte telespetaculo torna-se, de certo modo, uma nova prática. Talvez fosse melhor dizer que os limites entre o assistir e o praticar estão tornando-se mais tênues. Penso que isso ocorre porque eu sou o mesmo ao assistir pela televisão e ao praticar. Portanto, lá estão minha corporeidade, minha sensibilidade, minha mundaneidade;... (p.78)
Desta forma, cabe ao professor utilizar-se das informações disponíveis e desenvolver sua intervenção, baseada em conceitos teóricos consistentes e de aplicações que demonstrem ser possível utilizar tais recursos nas aulas de Educação Física e Esportes.
Referências
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ELIAS, N. Introdução in A busca da excitação. ELIAS, N. DUNNING, E. A busca da excitação.. Lisboa: Ed. Difel., 1992a. p.39-
99
FERES NETO, A. (2003). A virtualização do esporte e suas novas vivências eletrônicas. BETTI, M. (org). Educação Física e
Mídia: novos olhares, outras práticas. São Paulo: Ed. Hucitec. p.71-90. 2003.
FERRÉS, J. Televisão e Educação. Porto Alegre: Ed. Artes Medicas, 1996.
HATTING, F. A transmissão de eventos esportivos na televisão. In: Seminário Brasileiro em Pedagogia do Esporte, 1998.
Santa Maria. Anais...Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Educação Física e Desporto,
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RODRIGUES, E.F. Esporte e Mídia: interfaces e significados dos conteúdos esportivos atribuídos pelos alunos. 2006. 217f.
Dissertação de Mestrado.- Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação Física. Campinas,
2006
SANTAELLA, L. A cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996.
THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 5º ed. Petrópolis: Ed. Vozes. 1998.
VASCONCELLOS, M.J.E. Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência. 3º ed. Campinas: Ed. Papirus. 2003.
WOLF, T. Teorias da Comunicação. Portugal: Ed. Presença,1998.
Propõem-se partir da compreensão teórica do termo mimesis, explorar as possibilidades da mídia, a partir dos anseios dos alunos quando estabelecem conexões com os conteúdos esportivos e a partir daí compreender as possibilidades educacionais despertadas.
As emoções são elementos presentes fortemente no esporte, promovem uma interação, tanto como praticante, quanto como espectador, uma relação a partir dos sentimentos e emoções no imaginário dos indivíduos, que parte das situações cotidianas para um quadro mimético.
Se perguntarmos de que modo é que se animam os sentimentos. Como é que a excitação é favorecida pelas actividades de lazer, descobre-se que isso é dinamizado, habitualmente, por meio da criação de tensões.
Perigo imaginário, medo ou prazer mimético, tristeza e alegria são produzidos e possivelmente resolvidos no quadro dos divertimentos (ELIAS, 1992, p.71)
O conceito de mimesis baseia-se numa representação de elementos do cotidiano fora do seu contexto. Uma vivência de sentimentos e emoções transferidos de uma situação concreta para uma representação em outro quadro, mas que também é concreto.
O esporte nesse contexto de atividade mimética deve ser compreendido pelo que proporciona para o praticante ou espectador: uma representação não dos fatos da vida cotidiana, propriamente ditos, mas uma representação simbólica das emoções que eles propiciam, sendo desconstruídos e reconstruídos numa perspectiva de prazer, desencadeando sentimentos espontâneos e instantâneos, produzindo outras tensões.
É importante notar qual a intenção do receptor quando entra em contato com os conteúdos esportivos nas mídias. As pessoas, em grande parte, estão em busca de entretenimento via um processo de interação e de atributos miméticos ou ainda em busca de informações, uma atividade que estabelecem com as mídias que está presente na rotina, com tempos geralmente pré-determinados e regulares, integrando o fluxo cotidiano.
..., muitas ocupações de lazer fornecem um quadro imaginário que se destina a autorizar o excitamento, ao representar de alguma forma, o que tem origem em muitas situações da vida real, embora, sem seus perigos. O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes e riscos. Filmes, danças, pinturas, jogos de cartas, corridas de cavalos, óperas, histórias policiais e jogos de futebol - estas e muitas outras actividades de lazer pertencem a esta categoria. (ELIAS, 1992, p.71)
Considerar o aspecto mimético é considerar aquilo que os alunos atribuem de significados e aquilo que incorporam no seu dia-a-dia, permitindo ao professor um acesso maior aos conteúdos que lhes são representativos.
A interpretação e construção da informação com base nas experiencias dos alunos
A inserção dos conteúdos midiáticos e sua conformação como uma prática que se estabelece no cotidiano das pessoas, decorre de uma forma de interação de lazer que essas inserem na sua rotina.
Assistir a um evento esportivo, ler determinadas notícias, ouvir rádio, acessar internet por diversão, fazem parte da vida diária. Assim como a própria busca de informações, o acompanhamento de elementos miméticos que despertam emoções, uma busca por excitação. Os motivos que fazem as pessoas interagirem com a mídia, as interações que se estabelecem e se sucedem são pontos que devem ser considerados, pois interferem na forma de incorporação sobre o conteúdo.
Betti (1998) ressalta a relação dos conteúdos da mídia com o cotidiano, e lembra a necessidade do receptor já estar familiarizado, daí a importância dos contextos e interações, com alguns aspectos para poder realizar a interpretação da mensagem.
As pessoas possuem acessos diferentes, recursos diversos, condições materiais, culturais distintas, enfim, contextos e expectativas que caracterizam os seus processos de interações sociais, de apropriação de conteúdos, e de desenvolvimento de sua identidade.
Lógica da mídia: a compreensão da estrutura da mensagem
Dentre os recursos utilizados pela mídia para caracterizar seu conteúdo tem-se o exemplo que Santaella (1996) oferece sobre a ocupação de espaço nos jornais, uma linguagem diagramática, que consiste na distribuição da informação na página, que é tão importante quanto a linguagem para a geração de sentido ao conteúdo.
As possibilidades tecnológicas e o desenvolvimento dos recursos técnicos auxiliam os veículos de comunicação no processo de cativar a audiência, ampliam o potencial de espetacularização que o esporte já apresenta em sua vocação. Os meios de comunicação exploram os sentimentos e as emoções que
provocam no seu público, e por isso o entretenimento é um recurso significativo, aproveitando a predisposição do receptor para divertir-se.
Desta forma, na meta de tornar o que for possível em atraente e sedutor para o público, criando uma espetacularização passível de entrar no cotidiano das pessoas enquanto entretenimento, os conteúdos mesmo informativos recebem um tratamento artístico e artifícios que cativam o público receptor desta mensagem.
A sequência de informações, na TV, em segundos, no jornal, na mesma página, na internet, em links próximos, é apresentada sem distinção. Uma informação de vitória antecede uma notícia de morte, e depois é retomada. Lembramos que o jornal, a rádio e a internet também se utilizam de recursos de seleção
de informações, gêneros de discursos, de diagramação para enfeitar as informações e cativar os receptores, aproximando-os para efeito de um entretenimento, é uma formatação de conteúdos e informações em espetáculo.
... é uma visão geralmente espetacularizada, diagramada nos jornais, montadas com cenas dinâmicas na TV, construídas com uma narrativa envolvente, que desperta a atenção, entretêm e informa, embora seja uma visão fragmentada e descontextualizada, uma vez que a "realidade na íntegra", se é que podemos denominar assim, é muito extensa, cansativa e geralmente não atraente. (RODRIGUES, 2006, p.110)
Para uma intervenção pedagógica, utilizando a mídia como recurso e conteúdo, necessita-se do entendimento dessa lógica, para que seja possível auxiliar e transformar a maneira como o receptor lida com a mensagem, a forma pela qual ela será apropriada, lembrando que o contexto de produção difere do contexto de recepção, ou melhor, a lógica que o sujeito tem que o motiva a interagir com a mídia não é a lógica da produção, embora essa última necessite desenvolver formas e métodos para cativar os receptores.
Diferentes significados através do ambiente
Os meios de comunicação, tanto quanto a família, a escola, a igreja, a política, são elementos de difusão da mensagem e de valores. A capacidade de lidar com elas e transacioná-las no cotidiano faz parte das capacidades das pessoas para que sejam receptores críticos.
Esse transacionar-se ocorre a todo instante, o contato com o esporte é balizado por diferentes interações. Esses significados e valores possuem três aspectos que devem ser considerados, os interesses da produção das mensagens, os significados que adquirem nos ambientes em que se apresentam e as características individuais dos sujeitos. Essas características, decorrentes das interações, interferem na forma de incorporação dos conteúdos.
O ambiente, entendendo-o não apenas como espaço físico, mas como significados e interações que possibilitam, exercem influência na formação de conceitos e significados das pessoas. Thompson (1998) refere-se, por exemplo, ao termo self, como um projeto simbólico (num plano de significados e de representações individuais), construído ativamente pelo indivíduo com material e recurso disponível,permitindo-o construir a narrativa da própria identidade. Essa narrativa é dinâmica e modifica-se a cada momento, com novas experiências e significados, em cada ambiente.
Desta forma consideramos pontos essenciais para compreender um estudo sobre o tema, centrar as diretrizes no polo da recepção e considerar suas interações. Falando sobre a questão de considerar a interação no processo de recepção Ferrés (1996) diz sobre a TV:
Uma a abordagem crítica da televisão deveria ser feita sempre a partir da interação. A experiência televisiva é o resultado do encontro de um espectador - com sua ideologia, a sua sensibilidade, os seus sentimentos, as suas emoções e valores - e um emissor - com a sua ideologia, os seus interesses explícitos e implícitos, os O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes seus valores e o seu sentido de estética. E tanto o espectador como o emissor estão condicionados por um
contexto sócio-cultural. Não se deveria prescindir de nenhuma dessas dimensões. (p.81)
Considerar a interação como o polo de recepção em termos práticos para um processo de intervenção pedagógica é valorizar as experiências e significados que os alunos trazem consigo, é estimular as trocas com o intuito de ampliar suas vivências e a todo instante permitir que possam reconstruir seus conceitos acerca do esporte e da Educação Física, através de uma abordagem crítica e prática em relação aos conteúdos observados nos meios de comunicação.
Pensando em atividades
Considerando esses conceitos, deve-se pensar em atividades que estimulem os alunos a manifestarem suas opiniões, que os envolvam, que partam de situações presentes no seu dia-a-dia, e que, trazidas para um ambiente no qual são desenvolvidas atividades de maneira organizada, possam ser discutidas e complementadas pela atuação do professor. Desta forma é necessário elaborar os objetivos e parâmetros para as atividades que se pretendem desenvolver, com o cuidado de não torná-las sem significado, dentro do conteúdo curricular. Devem ser desenvolvidas com o propósito de estimular os alunos a refletirem sobre os conteúdos cotidianos e de identificarem como eles próprios lidam com isso na prática. Fazer o aluno perceber-se a si mesmo, ou seja, as suas formas de compreensão, as suas interpretações, é um ponto crucial para estabelecer uma intervenção com profundidade.
Cada professor possui a sua forma de atuar, os seus princípios e conceitos, assim, com base nos princípios de mimesis e de recepção dos conteúdos de uma forma dinâmica e interativa por parte das pessoas, discutidos anteriormente, a criatividade e os recursos acessíveis para cada um permitem uma gama de possibilidades para a utilização dos conteúdos esportivos na mídia como recurso e conteúdo integrante das aulas de Educação Física, uma riqueza de atividades que extrapola os exemplos aqui ilustrados.
Possibilidades de intervenção
Com princípios de diferentes aplicações metodológicas e adaptações, sem perder o rigor científico,mas não presos a uma rigidez que dificulta a intervenção no campo prático, é possível utilizar técnicas diversas, combinadas ou não entre si. Recursos utilizados como instrumentos de pesquisa que podem ser transportados para a atuação do professor, como um recurso de intervenção.
Uma das possibilidades é utilizar o método compreensivo proposto por Ferrés (1996). O autor desenvolve e propõe esse método, preocupado com abordagens que se tornam extremamente racionais e analíticas, e descartam assim, a magia, as emoções e sensações suscitadas, a capacidade de impacto dos meios. Desta forma desenvolve esse método que auxilia a extrair as informações das crianças e possibilita o que ele chama de “aprender sem negar o prazer. Ou melhor, de aprender pelo prazer e graças ao prazer.” (FERRÉS, 1996:81)
O método compreensivo deve ser desenvolvido com a intenção de auxiliar diretamente no campo prático, pensando na intervenção propriamente dita, e desta forma aproximando os conteúdos teóricos com a sala de aula, sem perder seu rigor. Em primeiro momento é proposta a formulação espontânea de
reações de gosto ou desgosto, de impacto, sem condicionamento e sequência indicativa de uma análise.
Posteriormente inicia-se a tomada de distância das próprias reações, buscando desta forma relações mais racionais, que se encerram com reflexões sobre as duas primeiras, ou seja, sobre o que já foi visto e sentido com o discutido e compreendido. Em linhas gerais Ferrés caracteriza esse processo dizendo que com ele “Não se renuncia ao espetáculo, pelo contrário, ele é utilizado para fins educativos, como ponto de partida para um trabalho crítico.” (FERRÉS, 1996:99)
A utilização desse método, com recursos de observações e anotações de entrevista, dinâmicas e outros instrumentos que explorem os conhecimentos dos alunos através de suas próprias interpretações enriquecem as atividades e permitem uma intervenção com profundidade.
Tais situações motivam os alunos com situações cotidianas, com conteúdos concretos de sua rotina.
Assim é possível extrair um rico debate de ideias acerca do esporte, que são incorporadas ao conteúdo da Educação Física, pois ao manifestar suas opiniões, estabelecendo relações entre o que vê e suas experiências diárias o aluno está desenvolvendo uma análise critica, ainda que em um primeiro momento seja superficial. São apresentadas a seguir algumas reflexões baseadas nas atividades desenvolvidas com o intuito de mostrar as possibilidades de conteúdos que derivaram dessas práticas, considerando as interpretações dos alunos.
A seguir, três situações (intervenções) desenvolvidas, baseadas nos preceitos apresentados até aqui. Destacamos o objetivo das atividades bem como o que chamamos de parâmetros de intervenção, que podem (e devem) variar de acordo com a criatividade de cada professor, mas que são elementos que contribuíram com as atividades em questão e podem se configurar como ponto de partida para quem visa desenvolver uma prática com e pelos meios de comunicação.
Como parâmetros gerais para as três atividades propostas, estabelecemos três bases de observação que consideramos importantes para extrair aspectos significativos da prática.
• Envolvimento: forma e intensidade manifestadas através de gestos, expressões, discussões, comentários e ainda a prolongação do tema, a formação de argumentos e grupos (não constituídos espacialmente, mas no campo de ideias).
• Espontaneidade: observando-se a espontaneidade dos conteúdos ou a necessidade de estimulação do debate.
• Dimensões de análises: especificações temáticas dos conteúdos para análise, conforme: concepção sobre o esporte, o esporte na mídia; ambientes onde se estabelecem as interações com o fenômeno; inserção do fenômeno na rotina; com quem é vivenciada e compartilhada a interação com os fenômenos, e quais os sentimentos, percepções e significados que atribuem ao fenômeno.
A seguir são apresentadas as atividades desenvolvidas:
O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes
1. Exibição de um programa esportivo de televisão do dia anterior ao dia da atividade.
Programa de rede aberta, seguido de debate com os alunos.
Objetivo: observar as reações dos alunos perante o vídeo exibido; estimular o debate acerca do esporte através dos conteúdos do programa; desenvolver um debate e discussão sobre as diferenças de enfoque, de conteúdo, profundidade dos temas, como está relacionado com a realidade deles.
Parâmetros de intervenção: explicação das atividades, organização e disposição dos alunos para a exibição do vídeo; observar gestos e reações durante a exibição, organização e disposição para a discussão acerca dos conteúdos; estimular recordação espontânea dos conteúdos; verificar empolgação e aspectos que despertaram a atenção; verificar tempo e ênfase destinada a determinados assuntos; estimular a verbalização por parte dos alunos; incentivar opiniões em relação aos conteúdos e comparações com cotidiano e outras possibilidades; encerramento com síntese do que foi discutido,amarrando as idéias e propondo observações de seu cotidiano com o que foi visto e conversão em aula
2. Laboração de um jornal impresso, através da junção de reportagens e comentários, com debate sobre os conteúdos escolhidos e o processo de formação do jornal, seguido de apresentação das ideias e debate.
Objetivo: observar as opções e escolhas dos alunos e argumentos levantados para as características apresentadas; discutir a formatação de jornal, o processo que existe por trás da notícia pronta, as diferenças de abordagens.
Parâmetros de intervenção: explicação da atividade, com pré-solicitação de que os alunos trouxessem reportagens com conteúdo esportivo; formação dos grupos; disponibilização de folhas para confecção dos jornais sem tamanho pré-estabelecido; disponibilizar tempo para escolha do formato (tamanho e disposição das folhas); observar e verificar critérios e falas dos alunos dentro de cada grupo; incentivar a elaboração de comentários sobre as reportagens; conversa com cada grupo sobre justificativas para escolha das reportagens dos comentários e da diagramação escolhida; atentar para experiências pessoais na interpretação dada aos conteúdos; organizar uma exposição do jornal de cada grupo para o restante da turma; ampliar o debate para a turma sobre formatos, conteúdos e interpretações; atentar para exploração diferenciada a partir de reportagens iniciais iguais, seja em termos de formato ou de comentários; encerramento com síntese e comparação com o cotidiano e relações que estabelecem com esporte e veículos de comunicação.
3. Eibição e discussão sobre vídeo contendo reportagens de um programa televisivo de canal fechado com conteúdos não comuns (campeonato mundial de Malabaris, e voleibol de academia) Objetivo: observar as reações, e estimular discussão sobre possibilidades do esporte com o intuito de desenvolver comparações e definições dos alunos.
Parâmetros de intervenção: explicação das atividades; organização e disposição dos alunos para a exibição do vídeo; observar gestos e reações durante a exibição, organização e disposição para a discussão acerca dos conteúdos; estimular recordação espontânea dos conteúdos; verificar empolgação e aspectos que despertaram a atenção; verificar tempo e ênfase destinados a determinados assuntos; estimular a verbalização por parte dos alunos; incentivar opiniões em relação aos conteúdos e comparações com cotidiano e outras possibilidades; atentar para elementos de aproximação entre o conteúdo não habitual com elementos próximos de suas realidades (ex: malabaris em semáforos e/ou no circo); encerramento com síntese do que foi discutido, amarrando as idéias e propondo observações de seu cotidiano com o que foi visto e conversado em aula.
Facilitando o contato e ampliando as experiências
Como pudemos observar nas questões conceituais, os meios de comunicação fazem parte do cotidiano dos alunos, configurando-se muitas vezes como uma forma de contato com o esporte, ainda que em forma de tele-espetáculo. Na pesquisa (RODRIGUES, 2006), na qual este capítulo está baseado, foi possível averiguar junto aos alunos, quais seriam as justificativas para o acompanhamento do esporte através dos meios, em detrimento da prática, seja como espectador, seja como praticante.
Os alunos relatam que o acompanhamento do esporte pela mídia é uma forma de acesso mais fácil para determinadas pessoas que apreciam esporte e por situações distintas interagem desta forma.
Dentre as suas justificativas, para o acompanhamento do esporte através dos meios de comunicação, e neste caso atribuem especial atenção à televisão, estão os seguintes fatores:
• alto custo para participarem de atividades in locus
• dificuldade de deslocamento até os locais de eventos
• preferência pelo conforto e comodidade
• detalhes, recursos extras e informações adicionais que obtêm, viam meio de comunicação
As informações obtidas trouxeram, ainda, indicadores de como o conteúdo esportivo dos quais se cercam são oriundos de diversas fontes, e como eles são completados a cada instante com as interações estabelecidas e, desta forma, adquirem os significados que possuem para eles. Foi observado que além dos ambientes de contatos com o esporte, percebem outras fontes de aprofundamento das relações com este, e as informações decorrentes. Apontam a própria prática como uma forma de aprofundar o conhecimento sobre aspectos distintos, junto ainda de pesquisa pessoal, de conversas com amigos, de observar conhecidos, praticando, através de filmes e novelas, de eventos na cidade. Assim é possível perceber como a informação pode ser transacionada dentre as fontes e ambientes e completando com o que os próprios alunos disseram sobre os aspectos particulares, de acordo com os ambientes e pessoas com quem vivenciam e partilham as informações, de uma forma mais séria e hierárquica com o professor, e de outra mais descompromissada com colegas.
Quando falam sobre as modalidades que conheciam, percebe-se que em muitas delas, não possuíam vivência prática, mas sim através da mídia, e ainda que apontassem pouco espaço aberto a outras modalidades na midi,a além do futebol, indicaram esse meio como um meio que oferece conhecimento, que auxilia no aprendizado e desperta interesses por outras práticas. Em caráter ilustrativo são apresentadas as modalidades e práticas levantadas pelos alunos.
QUADRO 1
Atividades relatadas pelos alunos na pesquisa de RODRIGUES (2006, p.99)
Atividades Conhecidas
Arco e flecha - Arremesso de dardo - Arremesso de peso - Atletismo - Badmington - Basquetebol - Beisebol - Betis - Bicicross - Bilhar - Biribol - Bola de gude - Boxe - Caminhada - Ciclismo - Corrida - Dança - Dirt-Jump - Esgrima - Esportes Radicais - Futebol - Futebol americano - Futebol de areia - Futsal - Ginástica - Handebol - Hipismo - Hóquei - Iatismo - Judô - Nado sincronizado - Natação - Pólo aquático - Skate - Tênis - Voleibol
Tal quadro revela a presença de atividades distantes da prática cotidiana, mas muito presentes nos meios de comunicação, como consequência de uma informação globalizada, como por exemplo, o beisebol, futebol americano, hóquei, iatismo, entre outros. Ao mesmo tempo, apresenta, além de modalidades inseridas no cotidiano, como o futebol e o vôlei, práticas vinculadas culturalmente à tradição regional como bola de gude, e betis.
Essa mescla entre atividades culturais enraizadas nos hábitos locais, com modalidades tradicionais e consolidadas na comunidade e com práticas e modalidades de padrões externos aos de costume denota a riqueza de possibilidades que uma intervenção pode ter, e ainda o potencial que pode ser extraído da mídia, enquanto veículo de estimulação para diferentes práticas, sendo adequadamente trabalhada.
Considerando que essas vivências de experiências mediadas (trazidas pelos meios de comunicação) fazem parte do cotidiano dos alunos, temos experiências que podem se desdobrar em interesse pela prática, busca de um conhecimento mais específico, parâmetros de comparação, conhecimento de aspectos culturais diferentes, o gosto pela contemplação, enquanto entretenimento, enfim, são elementos ricos que podem ser utilizados na intervenção, e não é uma novidade na acepção da palavra, a prática é sim uma novidade, mas algumas características já fazem parte, seja de forma mais enraizada ou superficial no cotidiano dos alunos.
Faz parte do dia-a-dia, das conversas, dos filmes, novelas, dos programas, jornais, revistas de conteúdos distintos, que abordam em diversas ocasiões o esporte, e desta forma “inicia” o contato com algumas práticas.
O esporte nos meios de comunicação foi abordado pelos alunos como uma das formas de divulgar e despertar o interesse para novas modalidades, uma maneira de experiência que incentiva a prática ou a contemplação.
Neste tema, abordando o aspecto do tempo e espaço excessivos do futebol na mídia, indicaram que a ausência ou o pouco enfoque dado às modalidades diferentes, é um fator que contribui para a baixa popularidade dessas modalidades, entendendo que o aumento de espaço destinado a elas pode ampliar sua capacidade de estimulação por novas vivências, ainda que de forma mediada, contribua simplesmente para os primeiros contatos e o despertar da curiosidade.
Prosseguindo nesse debate foi possível verificar uma linha de raciocínio dos alunos perante uma macro-estrutura que envolve o esporte, os veículos de comunicação, os interesses mercadológicos e o aumento de praticantes.
Abordaram as questões de tradição e cultura do futebol no Brasil e os interesses por audiência por parte da mídia e o quanto isso pode ser prejudicial para as demais modalidades, uma vez que quanto menos interesse por parte da mídia, menor o investimento de patrocinadores, e com isso cada vez menos espaço será dado a outras informações esportivas, fazendo com que cada vez menos pessoas tenham contato e se interessem por outras modalidades.
Segundo essa linha argumentativa, elaborada pelos alunos, as experiências vivenciadas pela mídia acabam por anteceder muitas das experiências práticas, algumas das quais nem sempre ocorrem, e enxergam esse processo como positivo, algo que age como um incentivador seja a prática ou a contemplação enquanto torcedor.
Desta forma observamos o potencial de uma intervenção pedagógica focada nos conteúdos da mídia, uma vez que estão ao mesmo tempo propondo questões rotineiras dos alunos (o contato que estabelecem com o esporte na mídia) e,de forma organizada, traçando possibilidades de contato e conteúdos que permitem uma riqueza cultural e possibilidades pedagógicas ante as práticas (conhecimento e prática de outra atividades).
Os contextos e experiências individuais na interpretação do conteúdo
Frisamos que as propostas de intervenção e resultados discutidos são apresentados através de um relato estruturado que está fundamentado na pesquisa realizada com essa temática em Rodrigues (2006).
Na atividade de elaboração do jornal, baseados num quadro que ambos os grupos trouxeram, um dos temas construídos pelos alunos se referia aos investimentos, estruturas e resultados de uma equipe de futebol que representa a cidade em categorias menores. Um grupo, influenciado por alguns alunos que participavam de equipes de outras modalidades da cidade posicionou-se contrário aos investimentos e estrutura fornecida pela prefeitura àquele projeto, comparando as informações com a precariedade da estrutura que vivenciavam em outro contexto. O outro grupo com o mesmo quadro de informações explorou e destacou que aquilo significava um fator importante para a cidade, um modelo de projeto que poderia ser seguido pelas demais, dada a organização e resultados obtidos.
Isso denota as diferenças de incorporação e envolvimento com o texto e resultou em construções diferenciadas em sua essência a partir do mesmo quadro de informações. É possível notar claramente os significados atribuídos na interpretação da mensagem, os valores e significados carregados de suas experiências e interações. O debate que se sucedeu caminhou justamente para a questão das individualidades e do contato de cada um com as situações concretas, que interferiam na forma como interpretaram tal quadro.
Essas várias facetas que a informação adquire pela transição dentro da mídia interagem com os contextos, como vimos no caso dos alunos que compararam a informação de investimento no futebol da cidade e as relações que vivenciam na prática de outras modalidades, e passa por um processo de incorporação, através dos valores e experiências que possuem para dar significado àquela informação Ainda na atividade de confecção dos jornais, foi possível notar elementos de construção dos alunos e a percepção que eles tinham desse processo, de que eles detinham o “poder” de construir ou pelo menos de repassar as informações conforme os parâmetros por eles mesmos estabelecidos, percebido desde o processo de discussão do título do jornal, nas justificativas dos temas e linhas temáticas até ao formato de papel, tamanho, disposição das reportagens e comentários. Como ilustração apresenta-se um quadro das justificativas apontadas pelos alunos para a inserção das reportagens e sequência do jornal.
O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes.
QUADRO 2
Justificativa dada pelos alunos para construção dos jornais na pesquisa de RODRIGUES (2006, p.111)
Justificativas para escolhas das reportagens e formatos
Informações Polêmicas Informações Diretas Representação da Cidade
Variedades de assuntos Conquistas Interesse habitual das pessoas
Chamar atenção de quem lê Expectativas das pessoas Prestigio da informação
Fofocas e Brigas vendem Divulgar potencial Bastidores
Passar as emoções do jogo Resgate de notícias antigas Curiosidades
Opiniões e Comentários diferentes Intimidades de atletas Surgimento de novo astro do esporte
É possível identificar a incidência de elementos pensados no público, nas expectativas e comportamento habitual quanto aos temas de interesse. A utilização de elementos do cotidiano dos receptores, com textos dos sujeitos para aproximar e dar mais veracidade e tornar-se mais atrativo para seu público, como observamos, é um recurso dos meios, e dentre alguns aspectos podemos abordar também nesta relação consolidada com o esporte na questão do espetáculo, a construção e difusão dos mitos.
O envolvimento com o conteúdo
Os alunos se envolvem de forma intensa com os conteúdos, espantam-se ou riem com as imagens, criam expectativas, dialogam com a narração, e se estabelecem como parte da reportagem, como complemento àquilo que lhes é apresentado. Ainda com esse envolvimento são notáveis dois aspectos: (i) a percepção de lidar com uma situação distinta da realidade deles, da contemplação de ídolos e de um esporte do qual têm plena consciência da distância que apresenta de sua realidade, (ii) é a consciência nítida quando apontam como características do esporte da mídia, o profissionalismo, a cobrança, as exigências de treinamento e investimento, a competição, que embora profissão, uns consideram fontes de lazer, através do torcer ou admirar, e distinguem de seu cotidiano quando apontam o caráter de divertimento e aprendizado que possuem.
É possível identificar esse mecanismo de projeção e identificação. Os alunos reportando-se à matéria que abordava sobre jovens tenistas, colocam-se na situação de se submeterem aos treinos pesados em compensação de viajarem pelo mundo e conhecerem lugares e culturas diferentes, ou ainda quando relatam querer reproduzir os gestos de um atleta quando se tornarem um, utilizando-se do modelo, do ídolo, como no caso de citarem o desejo de serem iguais ou fazer igual aos atletas, poder ser considerado o melhor e adquirir fama. O ato de torcer, do envolver-se, não só com o conteúdo, mas com o formato, imagens, narração, opiniões, foi evidenciado pelos alunos como fatores rotineiro de suas interações com o esporte na mídia.
Outro ponto que pode ilustrar essas afirmações são as observações dos alunos quanto à construção dos jornais com assuntos baseados nos mesmos acontecimentos, indicaram os interesses e as formas de interpretação das informações como imprescindível para a construção da matéria. É da mesma forma, a partir do olhar que cada um destina através de suas experiências, reconstrução e reelaboração do “enredo”. Ferrés (1996) fala sobre a incorporação que as crianças fazem e a relação que estabelecem entre ficção e realidade, e contribui também para que o que pretendemos mostrar, a necessidade de considerar esses aspectos. A criança atribui à história uma vida própria e a incorpora de diferentes formas à realidade sendo capazes de, fazendo abstrações, construir um universo peculiar.
Considerações finais: sobre a intervenção na Educação Física e Esporte a partir de conteúdos esportivos da mídia
É muito comum rotular que os alunos não têm um conhecimento profundo dos interesses que estão por trás dos veículos de comunicação, os interesses comerciais e relações de poder, fazendo então que o contato com os conteúdos esportivos na mídia, não seja parte integrante de um programa curricular, e ainda que seja descartado e criticado como reprodução de ideias sem uma finalidade de formação.
Se por um lado os meios de comunicação têm uma raiz extremamente comercial e cheia de interesses, com os quais deve se tomar o devido cuidado ao lidar com seus conteúdos, é ao mesmo tempo uma realidade inserida no cotidiano dos alunos, e compreendida por eles como forma de estabelecer contatos e vivenciar experiências que não estariam a seu alcance.
Os alunos se mostraram empolgados com as atividades, uma ação diferente de sua prática nas aulas de Educação Física, mas que está presente no seu dia-a-dia das mais diferentes maneiras, e quando trazido para dentro do ambiente formal estabelece uma dinâmica e um vínculo importante para um processo de reflexão sobre o esporte.
A utilização desses conceitos e desse olhar sobre o estudo, longe de tornar simplista, mas de forma a esclarecer ao leitor o porquê dessas relações, ocorre para que ao identificar o aluno como sujeito de um processo constante e amplo no convívio com o esporte, ele compreenda as estruturas e relações que estão por trás do simples contato com o esporte. O que é para ele aquele esporte que ele prática, que assiste, que aprende? E desta forma não reduzir e compreender apenas as estruturas, mas também as relações que se estabelecem. Indicando formas de atuação práticas que estimulem a discussão desses temas por parte dos alunos. Não basta entender e contextualizar os bastidores e interesses de um determinado evento, sua estrutura, seu significado decorrente das estruturas sociais que representa. É necessário também compreender o que aquilo representa de fato para o sujeito, de que forma aquilo é incorporado, que experiências individuais representam, e desta forma, como isso contribui para o ensino do esporte.
Deve-se ter atenção ao trabalhar com esses conteúdos, a fim de evitar uma reprodução sem sentido e sem reflexão, porém, como diz Ferrés (1996), a partir das emoções que despertam e do envolvimento que provocam, pode ser um grande instrumento.
O professor ao ler esse texto pode imaginar: “Como posso trazer essas ideias se na minha escola não tem televisão?” É uma realidade em nosso país, a falta de estrutura nos ambientes de formação, às vezes nem uma quadra para a prática esportiva o professor tem à sua disposição.
De fato essa é uma complicação, mas os conteúdos da mídia não estão presentes apenas numa televisão ou em qualquer outro veículo de comunicação, eles estão presentes também, e re-significadas nos próprios alunos, que trazem consigo as suas interpretações desses conteúdos que lidam rotineiramente, há uma impressão de significados:
...o que as pessoas aplicam sobre a informação, a partir de suas experiências e interações para dar sentido e forma para aquilo que lhes é incorporado no cotidiano. As pessoas imprimem em sua própria compreensão, a partir de suas vivências, dos ambientes, das interações e de suas expectativas, o significado para a informação, para o fato, e desta forma as suas manifestações de apreço, de contemplação, de desgosto e de valor é produto dessa complexidade (RODRIGUES, 2006, p. 119)
O conteúdo esportivo da mídia e intervenções pedagógicas na educação física e esportes.
Com base nessa impressão de significados, valoriza-e a ‘bagagem esportiva do aluno” considerando aquilo que Feres Neto (2003) comenta sobre as novas vivências do esporte.
..., não é só o discurso sobre a imprensa esportiva que se caracteriza como uma ‘nova’ modalidade esportiva.
A própria insistência ao esporte telespetaculo torna-se, de certo modo, uma nova prática. Talvez fosse melhor dizer que os limites entre o assistir e o praticar estão tornando-se mais tênues. Penso que isso ocorre porque eu sou o mesmo ao assistir pela televisão e ao praticar. Portanto, lá estão minha corporeidade, minha sensibilidade, minha mundaneidade;... (p.78)
Desta forma, cabe ao professor utilizar-se das informações disponíveis e desenvolver sua intervenção, baseada em conceitos teóricos consistentes e de aplicações que demonstrem ser possível utilizar tais recursos nas aulas de Educação Física e Esportes.
Referências
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99
FERES NETO, A. (2003). A virtualização do esporte e suas novas vivências eletrônicas. BETTI, M. (org). Educação Física e
Mídia: novos olhares, outras práticas. São Paulo: Ed. Hucitec. p.71-90. 2003.
FERRÉS, J. Televisão e Educação. Porto Alegre: Ed. Artes Medicas, 1996.
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RODRIGUES, E.F. Esporte e Mídia: interfaces e significados dos conteúdos esportivos atribuídos pelos alunos. 2006. 217f.
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